Estoicismo: 7 Ensinamentos práticos para viver melhor
Já tem algum tempo que os ensinamentos do Estoicismo estão em alta. Em março deste ano, a revista Veja fez uma reportagem intitulada “Médicos de alma: os estoicos voltam a cair no gosto popular” e colocam a pandemia do Covid-19 como responsável pelo redescobrimento do estoicismo.
Em setembro, Organização Nova Acrópole, escola de filosofia da qual faço parte foi convidada pelo Senado Federal para em sessão especial discutir ensinamentos do estoicismo. Na ocasião, os professores Luis Carlos Marques, Diretor da Organização no Brasil e a professora Lucia Helena, bastante conhecida pelos vídeos no Youtube representaram a escola.
A verdade é que os ensinamentos do estoicismo nunca saíram de moda. Suas ideias seguem sendo estudadas desde o seu nascimento, no século III a.C.
O Estoicismo ganhou notoriedade por inspirar nomes como o imperador romano Marco Aurélio, o escravo Epiteto e o advogado Sêneca. Apesar de terem desempenhado funções muito diferentes ao longo da vida, todos deixaram como legado ensinamentos práticos e úteis para o cotidiano, capazes de trazer mais realização e felicidade.
Vale a pena conhecer mais sobre os ensinamentos estoicos que influenciaram nomes como George Washington e Thomas Jefferson e, não custa lembrar, já vencem o tempo há mais de 2.000 mil anos!
Estoicismo e empreendedorismo: o redescobrimento
As reportagens (essa aqui, da BBC é de 2018) veiculadas em portais de grande circulação é consequência da curiosidade que a doutrina estoica vem despertando nos últimos tempos, em especial no meio empreendedor.
Afinal, seus ensinamentos transmitem valores desejados pelas empresas e seus líderes – mas que, reforço, são válidos para todos, sem exceção.
O mercado de trabalho cada vez mais saturado e em constante transformação, pede profissionais determinados e capazes de superar as adversidades e dar respostas aos diferentes cenários, sejam eles quais foram.
Isso significa que às vezes o necessário é ter um pouco mais de paciência em uma reunião difícil, estabilidade emocional para responder a um cliente, ou simplesmente resiliência quando a vida nos pede para recomeçar.
O estoicismo propõe um reposicionamento interno para uma melhor ação externa.
Reclamar e buscar culpados para os problemas que estão diante de nós (então devem ser nossos), não nos ajuda a superar desafios ou concluir projetos, e os líderes sabem disso.
A verdade é que esses ensinamentos milenares seguem bastante atuais. A minha proposta para esse texto é refletir sobre algumas das principais ideias do Estoicismo e mostrar que podemos colher bons frutos quando nos permitimos voltar ao passado e recolher seus tesouros.
Como o estoicismo surgiu e por que faz tanto sucesso?
O Estoicismo deu seus primeiros passos na Grécia Antiga, ainda quando Sócrates buscava ensinar aos seus discípulos sobre a necessidade de viver na prática aquilo que sabiam em teoria, apenas na mente.
Trazer à prática ensinamentos que estão apenas na nossa cabeça para a prática e dar-lhes vida, é o que chamamos de moral. Gosto de imaginar uma ponte ligando o Céu à Terra, acima estão os arquétipos ou Mundo das Ideias, segundo Platão; na Terra seria onde vivenciaríamos o que fosse possível captar deste mundo superior, imaterial e permanente. Fazer essa ponte é responsabilidade de cada um de nós.
Voltando aos primórdios do Estoicismo, no século IV a.C, foi Zenão (326 a 246 a.C) o primeiro filósofo a levantar a bandeira que a filosofia deveria conduzir-se mais pelo viés prático do que teórico. Como resultado disso, reforçou ensinamentos socráticos, aristotélicos e platônicos sobre a necessidade de trazer a virtude para o campo prático (para a vida) e não apenas em termos de princípios.
Os ensinamentos estoicos se espalharam com os avanços de Alexandre o Grande, no período que ficou conhecido como Helenismo, quando a cultura grega foi difundida, agregada e adaptada por onde passou.
Foi no Império Romano que o Estoicismo ganhou força e surgiram os filósofos estoicos mais famosos do grande público, justamente Epíteto, Sêneca e o Imperador Marco Aurélio.
É importante fazer um adendo sobre o contexto em que o estoicismo se desenvolveu. A sociedade no Império Romano tinha muita similaridade com os dias atuais. Para citar alguns: a decadência em valores (justiça, bondade, senso de fraternidade) e o avanço tecnológico.
Com a decadência dos valores, fortalece-se o materialismo. Assim como naquela época, hoje em dia acreditamos que as posses, o poder e os cargos trariam as respostas para todas as nossas necessidades. O resultado é o que vemos: egoísmo extremo e intolerância crescentes.
Confundimos avanço tecnológico com progresso moral, quando na realidade uma coisa não tem relação com a outra. O avanço científico impulsiona a sociedade, mas se não vier acompanhado com o progressivo despertar de um ser humano melhor, todas as ferramentas desenvolvidas poderão ser utilizadas para fins macabros.
Como resposta ao crescente materialismo e na busca por dotar a experiência humana de sentido real e significado, a filosofia estoica ensina a olhar os problemas de frente para então superá-los. Os pontos em comum da sociedade romana de 2.000 mil anos atrás com o nosso momento atual explicam o renascimento do Estoicismo como uma Fênix e validam a sua importância.
Ensinamentos valiosos do Estoicismo
Em relação aos seus ensinamentos, a doutrina estoica é muito ampla. Com ela, veremos como encarar e superar os desafios cotidianos, a investigar as leis da natureza e, um dos mais especiais, a necessidade de aprimoramento contínuo, ou seja, crescer em virtudes, a partir de dentro e expandir as possibilidades de ações na vida.
Como resultado dos meus estudos filosóficos e tentativas de trazer esses ensinamentos para minha rotina, eu separei 7 ensinamentos práticos do estoicismo para todo mundo colocar em ação.
Desafio você a também trazer essas ideias para sua vida! Depois me conta quais foram os resultados.
A vida é regida por leis universais
Na condição de professor de filosofia na Nova Acrópole, é comum escutar dos alunos que os filósofos estoicos eram ateus… Eu quero apresentar outra possibilidade sobre a questão.
Para começo de conversa, vamos refletir: será que o fato de alguém não seguir uma doutrina religiosa em particular significa que ela não acredita em Deus ou no divino?
É bastante comum associarmos Deus a uma doutrina religiosa específica. Os últimos anos me ensinaram que é possível refletir sobre o divino de maneira filosófica e mais do que isso, buscar compreender como ele se expressa na vida, fora de uma doutrina religiosa.
Vivemos em um país majoritariamente cristão, a consequência disso é associarmos Deus, a inteligência que está, como essência, por detrás de todas as coisas, dentro dos preceitos cristãos.
O filósofo estoico buscava compreender como essa inteligência se manifesta na vida e assim como muitos outros que vieram antes deles, entenderam que o divino se expressa pelo que chamamos de Leis, universais, inexoráveis e impessoais.
A filosofia ensina que os estoicos se relacionavam com o sagrado por meio de uma conduta moral prática ajustada ao máximo às leis universais que compreendiam, dessa forma, buscava-se coerência na ação a partir de elevadas que podiam captar.
Hoje em dia, o mais comum é que tenhamos um discurso de prateleira, bonito para ser mostrado, mas que não necessariamente encontra espaço na vida.
Para os estoicos, os acontecimentos da vida não eram obra do acaso, mas atendem em todos os casos a Vontade do divino, representado pelas leis.
Como consequência, esses filósofos entendiam que cada coisa acontecia por uma razão, assim, nada estava fora do lugar. Brigar com a vida é uma grande perda de tempo e energia, como ensinou Epiteto, podemos decidir qual respostas daremos diante dos fatos, mas não modificá-los.
Esse entendimento é importante, por nos mostrar que podemos viver em consonância com as leis, dessa forma a vida fluiria como um trem que corre nos trilhos.
Quando sentimos a vida fluir, é sinal de que estamos acertando mais do que errando. No Oriente esse fluir da vida é chamado de Dharma. Estamos no caminho.
Ao contrário, quando sentimos algum tipo de dor, seja física ou psicológica, remorso, é porque saímos da lei e encontramos o Karma. Um lembrete generoso da natureza que pegamos a rota errada.
Infelizmente, a ideia do Karma é muito mal compreendida, sendo relacionado a uma condição ruim imposta pela vida. Na realidade, trata-se de um reequilíbrio orquestrado pela natureza motivado por nossas próprias ações. O Karma não é uma sentença, mas sim um alerta de que podemos ajustar a rota.
Como resultado dessa visão da vida, os estoicos entendiam que tudo que acontecia ao homem era próprio do homem e de sua responsabilidade. Um poderoso ensinamento que quando internalizado nos dá as rédeas da própria vida – falaremos um pouco mais sobre isso mais a frente.
Defina quem quer ser e seja
Primeiro diga a si mesmo quem você quer ser, e então faça o que você tem que fazer” Epíteto, filósofo estoico.
Sêneca, filósofo estoico – gerada por IA |
É importante saber quem se é, e quem se deseja ser. Em um momento histórico ditado por modas passageiras e com valores invertidos é cada vez mais difícil encontrar referências que possam indicar um bom caminho. Por isso escrevo sobre o estoicismo.
Definir princípios e ideias que possam nos orientar na tomada de decisões, ter imagens ou pessoas como modelos de conduta ajudam na construção de quem queremos ser.
A filosofia me ensinou que cada um de nós tem algo muito próprio a oferecer ao mundo. Esse algo único se expressa quando projetamos aquilo que somos interiormente no mundo. Portanto, é inútil querer olhar para a grama do vizinho, uma vez que o cultivo do jardim é individual.
Há coisas que dependem de nós e outras que não
Esse talvez seja o ensinamento estoico mais conhecido, inclusive há muitas figurinhas e memes que ilustram essa ideia – o que não significa dizer que ela foi corretamente entendida. Quando Epíteto diz:
A principal tarefa na vida é simplesmente esta: identificar e separar as coisas para que eu possa dizer claramente a mim mesmo quais são as coisas externas que não estão sob meu controle e quais têm a ver com as escolhas que eu realmente controlo. Epiteto
Ele diz que o que não depende de nós é justamente os fatores externos que a vida nos traz, esses não podemos controlar. Por exemplo, a transformações do nosso corpo diante da passagem do tempo. Por mais que se faça procedimentos estéticos, não é possível frear os efeitos do tempo no nosso organismo.
Um outro exemplo é sobre a opinião que os outros têm sobre nós. Também é algo que está fora de nosso alcance. Só reforça o que expliquei acima, sobre a importante de saber quem queremos ser, pois se estivermos sendo fiéis a nós mesmos, estaremos tranquilos, ainda que não agrade os demais.
Já quando Epíteto diz que há coisas que dependem de nós, ele se refere sobre a nossa posição interna e à forma como vamos reagir aos fatos da vida. A vida de Epíteto não foi fácil, ele passou por situações difíceis como escravo.
Contudo, da leitura da sua obra O Manual da Arte de Viver, percebemos o quanto a sua alma foi livre, apesar das circunstâncias em que viveu.
Portanto, novamente, definir quem queremos ser e, de fato, ser é algo que está no nosso controle. Podemos desenvolver uma posição interna mais forte e capaz de lidar com a vida quando sabemos quem somos, ao passo em que buscamos compreender as leis e suas expressões.
Sabemos como a vida pode ser dura e ela traz provas para todos, incondicionalmente. Para o estoicismo a nossa resposta é algo que depende de nós e nenhuma circunstância externa pode mudar isso. Acredito que todos temos bons exemplos de pessoas que passaram por situações complexas e saíram delas maiores, são referências do poder da vontade.
Podemos aprender com tudo e com todos
Um dos ensinamentos mais bonitos de Marco Aurélio, imperador filósofo de Roma, diz respeito sobre a possibilidade de aprender com os demais, em todos os momentos.
Marco Aurélio escreveu em suas Meditações que quando vemos alguém realizando um ato nobre e justo, aquela atitude deve servir de inspiração. Especialmente a motivação interna de quem a fez. Podemos ter os demais como referência quando forem bondosos; “copiar” nesse caso é sinal de inteligência.
Imperador Marco Aurélio escrevendo em seu diário – gerada por IA |
Já quando alguém faz algo que entendemos como errado, ao invés de simplesmente criticar – infelizmente, é o mais comum e fácil – podemos apontar para nós mesmos e observar quando fazemos o mesmo.
O exercício de ver o outro como um espelho contribui imensamente para melhorar os relacionamentos interpessoais e a nós mesmos. Eu recomendo que faça o teste e veja como os defeitos dos outros são também os nossos. A diferença é que meu colega de trabalho expressa o egoísmo em um contexto e eu em outro.
Imagine quantas oportunidades nós temos de aprender sobre nós mesmos todos os dias, a partir dos erros dos outros. Além de nos aproximar das pessoas, ao perceber o óbvio: a mesma dificuldade em mudar que o outro tem, é também a minha dificuldade.
Em casa, nos relacionamentos e mesmo no trabalho, podemos aprender com os demais e conduzir as situações que normalmente levam à discussões e geram estresse com mais leveza.
Aprimoramento contínuo
Os filósofos estoicos ensinam que a vida é uma grande jornada, inteligentemente arquitetada para nos fazer crescer. Entendemos crescer por: despertar as qualidades humanas latentes.
Como já falamos, a vida é Cosmo, não caos, ou seja, ordenada por leis. Para o Estoicismo os fatos não acontecem sem razão, toda a vida nos empurra a caminhar. Dessa forma, toda situação boa ou ruim tem algo a nos ensinar, ao aprender nos aproximamos dos mistérios divinos que habitam em nós.
Portanto, o aprimoramento contínuo é condição natural dos seres humanos que vieram ao mundo recolher aprendizados de suas experiências (não apenas acumular experiências, importante frisar).
A Vida Moral é o caminho para realização humana
A filosofia me ensinou que nós, seres humanos, nos realizamos no ato, na ação. Não em qualquer ação, na ação virtuosa, própria do homem – isso nos diferencia dos animais, plantas e pedras.
Significa dizer que nós precisamos de vida moral para nos realizar, precisamos agir em conformidade com aquilo que pensamos, acreditamos e sentimos. A frustração nasce da incoerência interna e do não fazer daquilo que sabemos que pode ser feito.
A vida moral requer fidelidade a nós mesmos, às nossas aspirações mais elevadas, sentimentos mais nobres e melhores ações. A busca pela coerência interna gera os melhores frutos humanos e realiza antes mesmo que os resultados cheguem, apenas no fazer e tentar.
Ataraxia e a quietude da alma
Apesar do termo soar estranho a ideia é relativamente simples. A Ataraxia fala sobre a imperturbabilidade da alma, estado de consciência em que nada de fora é capaz de nos movimentar internamente. No popular, nenhum fato tira a nossa paz.
Esse especial estado de consciência releva um elevado estado de despertar interior. Sabe-se diferenciar o que é meu e quais são as vozes do mundo. Os desejos são apaziguados e a realização vem pela compreensão da vida com ela é e por poder atuar nessa mesma vida.
Penso que para nós, buscadores da verdade, o estado mais aproximado seja o sendo do dever cumprido.
Agora é praticar!
Como todo ensinamento, a doutrina estoica pode ser validada com a prática. São ensinamentos muito objetivos e práticos, a leitura de suas obras é clara e nos aponta direcionamentos possíveis de serem experimentados.
A experimentação de novas ideias e condutas é uma tônica na vida do filósofo e de todos aqueles que buscam aprender e progredir moralmente na vida. A apresentação de ensinamentos do estoicismo é uma tentativa de nos munir com ferramentas úteis para lidar com os desafios do cotidiano.
Ajude este blog a difundir essas ideias
Se você se interessou em conhecer mais sobre o Estoicismo e seus ensinamentos, eu recomendo que complemente seus estudos com algumas das leituras abaixo:
Box Grandes Mestres do Estoicismo – Edição Especial com Postais e Marcadores, 1º de dezembro de 2021, Editora Edipro – Esse box reúne três obras clássicas, como Sobre a Brevidade da Vida de Sêneca, o Manual da Arte de Viver de Epicteto e as Meditações de Marco Aurélio.
Você também pode adquirir os livros separadamente, essas são as edições que eu li e recomendo:
A Arte de Viver – Edição padrão de 22 de marco 2018, Editora Sextante.
Sobre a Brevidade da Vida – Edição especial de 30 de novembro de 2020, Editora Edipro.
Meditações – Edição especial de 31 de outubro de 2019, Editora Edipro.
Sinceramente, não sei dizer qual seja o melhor, são todos excelentes e também uma ótima opção para dar de presente, pois a leitura dos livros estoicas é agradável e de relativa fácil compreensão.
Boa leitura!