Reflexões filosóficas sobre o filme Uma Mente Brilhante
O que podemos chamar por uma mente brilhante: A capacidade de resolver equações complexas? Lançar teorias originais? Falar muitos idiomas? Sem dúvidas, as habilidades citadas demonstram uma habilidade intelectual acima da média, mas isso não é tudo.
Compreender o funcionamento da própria psique e ter domínio sobre ela, talvez seja a maior proeza que um ser humano possa alcançar.
John Nash, matemático, professor universitário e ganhador do Prêmio Nobel de 1994 com o estudo da Teoria dos Jogos conseguiu dominar a própria psique, apesar de um diagnóstico de esquizofrenia.
A minha proposta hoje é fazer algumas reflexões filosóficas sobre o filme Uma Mente Brilhante, um clássico lançado em 2001 e que eu assisti recentemente.
Não espere por análises técnicas sobre áudio, fotografia, roteiro, direção e atuação dos atores. Eu não entendo de nada disso.
A minha intenção é compartilhar algumas reflexões sobre trechos do filme que achei bonitas e inspiradoras. O filme é baseado em uma história real e conta a trajetória acadêmica e profissional do renomado professor John Nash.
Ao ler as qualificações de Nash, fica evidente que se trata de alguém com capacidades cognitivas diferenciadas, uma mente brilhante. Porém, o brilhantismo de Nash se deu mais em função da forma como ele conseguiu lidar com a própria doença, a esquizofrenia, do que pelos resultados dos seus estudos.
Nash sofria de esquizofrenia, uma doença psíquica sem cura, até o momento. Na maioria dos casos, a doença reduz drasticamente o desenvolvimento da convivência social e intelectual dos portadores.
O ponto é que Nash, um estudioso e acadêmico, conseguiu construir uma família e desenvolver uma carreira como professor universitário, com o diagnóstico de esquizofrenia.
O que pode parecer banal para uma pessoa “comum”, só pode ser realizado graças ao suporte que ele recebeu da sua esposa e amigos, fundamental para estabilizar a sua pisque, além do seu próprio esforço.
Que tal refletir comigo sobre algumas passagens marcantes do filme?
Um pouco do filme Uma Mente Brilhante
O filme começa com Nash e seus colegas na faculdade de Princeton, EUA. É um ambiente de disputas mais ou menos veladas e muita guerra de ego. Nash não era diferente dos demais, sabendo do seu brilhantismo intelectual queria ganhar notoriedade com uma teoria original.
O que ele não contava é que toda a sua trajetória acadêmica e profissional fosse ser impactada por sua doença.
Ainda na faculdade aparece Charlie, um dos seus amigos imaginários. Ele seria seu colega de quarto, se não fosse fruto da sua fantasia.
Nash e Charlie convivem durante anos sem levantar suspeitas. É somente quando aparece William, outra alucinação, que pretendia ser um agente do pentágono a quem Nash deveria trabalhar em conjunto, é que a doença de Nash se torna pública.
William cobra a Nash para trabalhar na decodificação de mensagens dos soviéticos, a fim de evitar um ataque russo. Vale lembrar que o filme se passa nos anos de 1950, período da Guerra Fria.
Nesse momento do filme a doença de Nash é descoberta, ele então é levado para uma clínica psiquiátrica e se torna autoconsciente da sua condição como esquizofrênico.
O filme mostra em vários momentos a batalha de Nash para dominar a psique e separar o real da alucinação. Uma atitude de esforço que ora emociona ora faz ri e que me rendeu bons pensamentos.
De forma menos dramática, nós também travamos a mesma batalha de Nash, ao buscar separar uma frutífera imaginação da pura fantasia.
É possível domar a psique?
A psique humana é objeto de estudo de tradições muito antigas, bem anteriores às mais modernas teorias da psicologia. A filosofia oriental, falando em termos bastante amplos, fala sobre a necessidade de dominar a psique, buscando separar o real da ilusão (ou maya no hinduísmo), a imaginação criativa, consciente e direcionada da fantasia fora de controle.
Em meus estudos filosóficos na escola de filosofia Nova Acrópole, eu conheci a obra de Helena Blavastky, filósofa russa do século XIX, que deixou um legado enorme de sabedoria para o Ocidente, fruto do seu trabalho de resgate de antigas tradições.
Em umas de suas obras mais famosas, A Voz do Silêncio, ela fala sobre essa necessidade de calar a mente barulhenta para encontrar algo mais essencial e verdadeiro dentro do homem, a voz interna que provém do silêncio dos sentidos.
Muitas tradições do Oriente dividem a mente em dois aspectos, uma com viés prático e bastante barulhenta e outra de aspecto superior, capaz e captar Ideias e escutar o nosso íntimo, nosso coração.
Eu trago essas duas perspectivas sobre a mente humana porque, via de regra, só conhecemos e convivemos com a mente prática e barulhenta do nosso cotidiano. Ou seja, fechamos a possibilidade de adentrar em um lugar mais verdadeiro em nós mesmos, e ficamos refém dessa outra mente tão cambiante quanto os cenários que a vida nos oferece.
Ainda sobre a mente barulhenta, temos por convenção social achar natural as suas divagações, como se fosse um barco que tivesse perdido a vela e o mastro em uma tempestade e estivesse fadado a navegar sem direção, ainda que o capitão estivesse ali.
O capitão é quem somos em essência, é quem ajusta as velas e dá o direcionamento ao nosso barco. A filosofia me ensinou que podemos fazer o mesmo com a psique, conhecê-la e, com esforço, dominá-la.
Por conhecer, seria entender nossas verdadeiras motivações internas, saber lidar com as emoções, distinguir a boa imaginação da fantasia. Escolher as imagens que quero ter na mente. Conseguir dar um basta a pensamentos circulares, buscar entender situações difíceis do passado que ainda doem no presente.
Nash mostrou que tudo isso é possível. Ele conseguiu separar as alucinações do real e de certa forma, levar uma vida próxima ao dito normal. Para mim, esse foi o aspecto mais brilhante da sua mente.
O papel de Alicia Nash sua esposa – o amor cura
O filme também retrata o papel de Alicia Nash para que John pudesse levar uma vida normal. Por mais que o filme tenha floreios e não represente a realidade do que foi o casamento deles, isso não é o mais importante.
Eu quero destacar a força e generosidade de Alicia em estar com Nash em momentos delicados da sua vida, mesmo quando não estiveram mais casados.
Alicia foi para Nash como uma coluna é para um templo, a estabilidade necessária para que ele pudesse voltar a estudar e trabalhar e, assim, ter uma vida comum, apesar da doença.
E a minha reflexão é: acredito que todos nós precisamos dessa estabilidade psíquica para que possamos expressar o que melhor temos dentro.
No Egito antigo, a coluna Djed era considerada um símbolo de estabilidade e domínio da personalidade pelo uso da razão. O mais elevado estabiliza os veículos ou corpos abaixo.
Coluna Djed, antigo Egito, segundo IA |
No filme, Nash faz um discurso de agradecimento à Alicia por pura gratidão, é uma cena bonita em que ele reconhece o seu papel para que ele conseguisse ir mais longe.
A mente brilhante em cada um de nós
O brilhantismo da mente humana segue sendo um mistério para a maioria de nós. A filosofia, inspirada nos dizeres do Oráculo de Delfos, ensina que é preciso buscar conhecer-se em profundidade para se chegar à sabedoria.
Acredito que parte da caminhada estar em conhecer e dominar a própria psique, como logrou Nash. Não que seja tarefa simples, somos constantemente tapeados pela nossa mente prática, como chamei no texto.
Penso que a chave estar no coração, em encontrar o nosso centro, esse ponto estável que como uma bússola aponta o caminho, aqui a mente barulhenta é desmascarada e podemos ver as coisas com claridade.
É preciso caminhar para esse centro, gostar do caminho e dos desafios da fidelidade ao nosso centro. Gostar de nós mesmos e caminhar.
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