Eu sou feliz no Bodocongó: um texto sobre superar dependências

Hoje eu vou compartilhar um pouco da minha experiência morando no bairro do Bodocongó, em Campina Grande/PB, que ficou famoso quando Elba Ramalho cantou:

Eu fui feliz lá no BodocongóCom meu barquinho de um remo sóQuando era luaCom meu bem andava à toaAi, ai, ai, que coisa boaLá no meu Bodocongó 

Bodó, Bodó, BodocongóMeu canário verde, meu curióBodó, Bodó, Bodó, Bodó, Bodó, BodocongóCampina Grande eu vivo aqui tão sóAi, ai, Campina Grande eu vivo aqui tão só

Esse é um texto pessoal, com algumas impressões minhas, experiências que eu passei e processei à minha maneira. Meu histórico de vida, minhas experiências, a minha criação, tudo influencia a minha narrativa.


Do começo: caminho que percorri até chegar no Bodocongó

Eu nasci em Natal/RN onde passei a maior parte da minha vida, porém há aproximadamente 3 anos eu me mudei para Campina e tem 1 ano e meio que moro no bairro de Bodocongó.

Quando cheguei, fixei moradia na região central da cidade, primeiro em uma casa, depois em um apartamento. Ambos bem perto do Açude Velho, uma região que gosto muito na cidade.

Particularidades da minha experiência em morar no Bodocongó
Açude de Bodocongó visto do Parque do Bodocongó

Com o passar do tempo, já conhecendo melhor a cidade e de ter aprendido os nomes das ruas e avenidas mais importantes (eu gosto de aprender o nome das ruas), ganhei confiança e me afastei um pouco. Mudei para o bairro da Prata.

Para quem é de Natal, vai entender quando falo que a Prata é o correspondente natalense do bairro do Tirol. Bairro nobre, repleto de clínicas, com todas as especialidades possíveis. É o polo médico da cidade, um bairro antigo e tradicional.

Vista da minha janela para o bairro da Prata em Campina Grande
O ‘apertamento’ da Prata tinha uma vista bonita

Apesar de estar perto do Centro e ser seguro, eu achei a Prata um bairro com pouco movimento. O bairro tem poucas opções de lazer, como restaurantes e bares, mas não foi essa a razão que me fez mudar da Prata para o Bodocongó.

Eu mudei pois vi em uma casa no Bodocongó a oportunidade de criar um mini sítio urbano. O terreno não era grande, nem tão pequeno e as dimensões da casa eram maiores do que os novos apartamentos de 2 quartos. 

O Bodocongó já não parecia mais tão longe – e de fato não é – nesse momento eu já me sentia filho desta terra, detentora do título do maior São João do Mundo.

Descubra mais curiosidades sobre Campina Grande aqui.

Mais interessante do que as mudanças de casa em casa, foram as mudanças internas que aconteceram e que hoje me permitem viver aqui.

O que precisei mudar para morar no Bodocongó

Ao longo dos últimos anos eu aprendi que nós temos diferentes tipos de dependência. O mais comum, quando falamos em dependência, é associarmos ao estritamente físico, material ou financeiro.

Pra falar a verdade, a dependência do tipo física ou material não é a mais perigosa ou difícil de ser superada.

Há outras formas de dependência que podem travar o nosso desenvolvimento, a possibilidade de saber quem realmente somos, o que queremos e tomar nossas próprias decisões na vida.

Aprendi que podemos falar em quatro tipos de dependência:

Física

As crianças e os jovens, até certo ponto, têm mais dependência no aspecto físico do que um adulto já formado. Quando pequenos, podemos não ter altura, força ou coordenação motora para realizar uma tarefa.

O desenvolvimento natural faz com que a criança passe por aprendizados e possa, gradualmente, a se tornar mais independente. Logo irá aprender a dar o nó nos próprios sapatos e a andar de bicicleta, etc.

Na fase adulta, crescidos, superamos boa parte das dependências físicas. Vamos morar sozinho, aprendemos o básico para manutenção da vida doméstica, passamos a ter mais atenção e cuidar da própria saúde e segurança.

Com o tempo, a vida nos mostra que existem outros cordões umbilicais que precisam ser cortados.

Energética (recursos)

À nível energético, também somos mais dependentes quando mais novos. A tradição filosófica me ensinou que a nossa energia também diz respeito a forma como utilizamos os recursos, nesse caso, o tempo e o dinheiro.

De fato, o tempo e o dinheiro são recursos que nos fazem movimentar na vida, assim saibamos manejá-los da forma correta, como ensina Sêneca, filósofo estoico, no livro A Brevidade da Vida.

Quando criança não geramos o próprio dinheiro e o uso do nosso tempo é condicionado pelos nossos pais. O mais natural quando crescemos é desenvolver a capacidade de gerar o próprio dinheiro e gerir o nosso tempo.

Enfim, conquistamos a independência energética. Podemos movimentar quando e para onde quisermos! Basta gerar as condições.

Emocional ou psicológica

Quando falamos em dependência emocional entramos em uma esfera mais sutil e difícil de ser identificada.

No geral, dependência emocional está atrelada a algum tipo de carência. Podemos pensar que não seremos amados por nossos pais, por nossas decisões, ou que perderemos um amigo se pensar de uma forma diferente dele.

A dependência emocional pode passar desapercebida por uma vida inteira.

Quando eu vim morar em Campina Grande/PB, vindo de Natal/RN, eu sabia que muita coisa mudaria na relação com meus familiares e amigos mais próximos.

Passados 3 anos e eu não perdi nenhum amigo, amigo mesmo, nem sinto que alguém da minha família me ame menos em função da distância.

No caso da família, penso até que a distância foi saudável para que eu pudesse saber quem sou e o que quero para minha vida – mas isso pode ser assunto para outro dia.

Ideológicas

Superadas as dependências física, energética e emocional chegamos na forma mais difícil de dependência de ser reconhecida e superada, a dependência ideológica.

Com 35 anos, é comum escutar das pessoas mais próximas que absorveram certas atitudes da criação dos pais. Quando menos esperamos, fazemos algo ‘igual quem nem’ nossos pais.

Isso não é necessariamente ruim, o processo apenas deve ser consciente para que as escolhas sejam, afinal, nossas.

Falo isso porque a dependência ideológica, ou seja, do campo das ideias é muito forte. Assimilamos ideias e pré-conceitos da nossa criação e trazemos conosco.

Adendo importante, tire a culpa dos seus pais, eles fizeram e seguem fazendo o melhor.

Falo sobre assimilar ideias que podem não ser nossas, pois para vir morar no Bodocongó, bairro onde Elba Ramalho foi feliz – e eu também sou – precisei romper com algumas ideias da minha família, como: ‘É seguro morar em casa fora de condomínio?’.

Em termos de segurança, sem dúvidas, em condomínio seria mais seguro. Acontece que o argumento funciona mais como uma trava pessoal, do que reflete uma realidade de perigo e insegurança.

Na prática e objetivamente, não tive qualquer situação que demonstrasse ser perigoso morar em uma casa no Bodocongó. Até agora, tudo tranquilo.

Decidir morar em casa também foi disruptivo (rsrs), já que passei muitos anos morando em apartamentos. Fáceis de limpar, práticos e mais seguros. Em algum momento do passado me pareceu que eu passaria o resto da minha vida morando em apartamentos, felizmente não me deixei levar por tanto pragmatismo.

Acho que para não engessar, precisamos cultivar a juventude interior . É uma condição interna de constante renovação e abertura ao que a vida nos traz.

O espírito de aventura, a busca por mais espaço e novas experiências me trouxeram para uma casa no Bodocongó, onde eu posso aproveitar de uma rotina mais tranquila, perto da natureza e com um jardim que em poucos metros quadrados produz caju, acerola, banana e abacate.

Como é morar no Bodocongó

Morar no Bodocongó, ao menos na parte em que moro, é como viver em uma cidade pequena do anterior, onde o tempo passa um pouco mais devagar. Os moradores ainda colocam suas cadeiras nas calçadas e conversam no portão de casa no final da tarde.

Os vizinhos são moradores antigos, todos se conhecem pelo nome e aos domingos os filhos e netos aparecem para visitar os pais e avós e reunir a família. A rua fica mais movimentada.

As crianças jogam futebol na rua e, algumas vezes, tanto a bola quanto chinelo caem aqui no terreno de casa. Por sorte dos meninos eu trabalho home office e logo eles recuperam a bola.

A minha casa está a 12 minutos do centro da cidade, mas não é preciso ir até lá para encontrar a maior parte dos serviços, faço bastante coisa a pé. 

São experiências banais que refletem um dia a dia simples que eu não sabia que gostaria tanto de viver.

Longe de ser perfeito, pois de cada experiência tem seus pontos positivos e negativos, no momento presente é muito bom morar no Bodocongó – aqui eu sou feliz que só, parafraseando Elba Ramalho.

Para quem quiser conhecer a música Bodocongó

A filosofia é a grande responsável por uma bonita e feliz jornada interior para o autoconhecimento e possibilita as ferramentas para uma vida mais independente e com real liberdade.

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Pedro Motta é aluno e professor voluntário na Nova Acrópole há mais de 10 anos e compartilha o que reflete e aprende no blog Escriba do Dia.

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