Aprender é o tempero que dá sabor para vida

É comum separarmos as pessoas entre as que sabem e as que não sabem cozinhar. Apesar dessa divisão, todos deveriam aprender a temperar a própria vida, ainda que não cheguem perto das panelas.

De alguns anos pra cá eu comecei a fazer alguns testes na cozinha, inspirado inicialmente por ver meus familiares, irmã, mãe, tios, tias e primos cozinhando generosamente bem para todos.

O segundo empurrão veio com os vídeos de receita rápida que encontramos nas redes sociais, eles nos fazem crer que todo prato é possível de ser feito, até que você quase exploda o microondas.

Bolo de caneca fit que não deu certo

Fazendo da cozinha um momento de descontração, aos poucos foram saindo algumas receitas. Massas, saladas, carnes e até lasanha. Todas as receitas que fiz podem ser melhoradas, a minha sorte é contar com uma jurada de bom coração e enorme apetite. 

Com o passar do tempo e muitos experimentos, a cozinha ganhou novos temperos, além dos tradicionais sal, pimenta do reino e da dupla cebola e alho. Novos grãos, ervas, texturas, cores e cheiros, ingredientes que me fazem acreditar que posso fazer pratos dignos de um masterchef, se eu souber como harmonizá-los.

A minha reflexão hoje é sobre a necessidade de aprender a harmonizar diferentes elementos na cozinha e, especialmente, dentro de nós: emoções, sentimentos, nos diferentes cenários que a vida nos traz, às vezes agradáveis, por vezes adversos. O objetivo é aprimorar as relações e dar novos sabores à vida.

Separar cada coisa e harmonizar

A minha cozinha conta uma boa quantidade de temperos diferentes, eles poderiam ser usados em carnes, frango, peixes, tortas e o que mais eu desejasse fazer, desde que eu saiba como usá-los.

Novos temperos, novas possibilidades, o desafio é saber usá-los.

Dias atrás eu me peguei olhando para os potes de tempero e como que por um raio, me desceu o óbvio: não basta ter as ferramentas, é preciso saber usá-las adequadamente, na quantidade certa e momento correto.

Quem cozinha amadoramente já tentou, ao menos uma vez, colocar todos os temperos juntos na panela. A intenção é boa, mas o resultado pode ser desastroso.

Para incrementar minhas receitas e subir degraus dentro da cozinha, eu precisarei conhecer melhor os temperos que tenho à mão. Isso significa aprender sobre as características de cada um deles para melhor utilizá-los. 

Uma boa ferramenta quando empregada da forma certa pode potencializar os resultados, penso que aconteça assim ao temperar comida. Na justa medida era sabor, se passar da conta, é veneno.

Cozinhar está para todos, inclusive para mim, um aprendiz. Já acertar todos os pontos de uma receita é para os chefs. Na cozinha amadora, cada tentativa rende no mínimo memórias divertidas, além de nos ensinar sobre a própria vida. Veja bem.

A arte de cozinhar faz parte da Arte de Viver e nessa, todos somos aprendizes.

Observando os diferentes potes de temperos me veio o pensamento de todo potencial humano que temos em nós, às vezes tão latentes que nem suspeitamos que esteja ali. A própria faculdade da razão, nossa mais poderosa ferramenta, o quanto a conhecemos? Podemos dizer que fazemos bom uso dela?

A cada instante, a vida nos pede uma quantidade exata do tempero certo, do contrário a situação pode azedar. A palavra certa, o tom de voz adequado, o momento mais conveniente e, em especial, a correta motivação interior.

São ingredientes que se bem harmonizados fazem de qualquer situação trivial, um elaborado banquete para a alma.

Por isso a filosofia me fascina. Ela me ensinou a lançar um olhar mais atento aos cenários da vida e em relação a mim. Eu busco diferenciar emoções, sensações, entender as minhas motivações e ações para aprender sobre a melhor forma de agir em cada cenário da vida. 

Temperar a vida é aprender

Assim como acontece na cozinha, a vida nos pede aprimoramento constante. Se todos os dias precisamos cozinhar algo, todos os dias buscamos acertar a dose certa de tempero. No trabalho, nas relações familiares, na convivência com os nossos vizinhos de rua também devemos temperar, de acordo com cada situação.

O passado é fonte de aprendizados para melhorar nossa conduta. Fazemos o mesmo na cozinha, certo? Vemos o que deu certo e melhoramos o que não ficou bom, fazemos ajustes no tempero, no que for necessário, e seguimos confiantes que a próxima receita sairá melhor. 

É fácil perceber como cozinhar e viver se assemelham, e que da cozinha podemos tirar reflexões importantes para toda vida.

Cozinhar – e viver – é fazer testes

Ninguém (ou quase ninguém) gosta de comer a mesma refeição todos os dias. Fazemos testes na cozinha porque queremos provar novos sabores, queremos sentir o prazer da aventura de testar uma nova receita, arriscar fazer um prato novo.

Na vida é igual. O automatismo das ações é fatal para nós, seres humanos, dotados de razão e inteligência. Precisamos testar novas formas de responder à vida e seus cenários, devemos buscar novas formas de ser no mundo com ímpeto de crescimento, porque em cada cenário podemos aprender algo novo e melhor.

Saiba que você vai errar

Ao testar novas receitas, devemos ter em mente que há grandes chances de errar. Eventualmente, até os grandes chefs erram. Errar não é de todo mal, faz parte do processo de aprendizagem, ruim mesmo é não entender a causa do erro e repetir uma vez mais.

Uma vida sem erros é apenas uma vida não vivida. Se não quiser errar, apenas não faça nada, mas também não espere novos aprendizados. Não tente fazer receitas de doces se tiver medo de errar, porque você vai errar.

Penso que o foco aqui deve ser no que podemos aprender em cada movimento, em cada novo teste que fazemos, conversa que temos, posicionamento que tomamos. 

O meu conselho é realizar cada ato de forma mais consciente e presente para melhor entender quando o erro acontece. Mais uma vez, estamos falando da arte de cozinhar ou de viver? 

Tentar mais uma vez

Um prato que deu errado, não define todas as suas refeições. Pode ser descartado e refeito novamente. Simples, não é mesmo?

Talvez alguém esteja pensando que no caso da arte de viver seja diferente. Não podemos simplesmente descartar pessoas ou ignorar situações que não deram certo. De fato, não podemos. Mas enquanto princípio, a ideia é a mesma, ao errar, reconhecer e entender a causa do erro, para em seguida tentar novamente. 

Cozinheiro frustrado com receita que deu errada imagem gerada por IA
Cozinheiro frustrado com receita que deu errada – gerada por IA

Penso que a vida, em sua justiça divina, não nos pede a cada instante decisões absolutas ou super difíceis. A maior parte dos nossos erros são cotidianos e possíveis de serem corrigidos até mesmo no mesmo dia, são frutos do automatismo e desatenção.

Tentar uma, duas, três vezes, quantas vezes for necessário, aí está uma das chaves para o aprimoramento contínuo. A repetição de cada ato deve ser vital, ou seja, repleta de vida naquilo que fazemos – penso que esse deve ser o super tempero das avós na cozinha, colocam tanto amor, tanto de si mesmas que qualquer refeição trivial se torna um banquete.

Quando acertar, suba um degrau

Ao aprender, suba um degrau. Falamos sobre testar, em não ter medo de errar, em tentar quantas vezes for necessário. Um direcionamento corajoso de aprimoramento pessoal certamente nos fará crescer.

Quando sentir que cresceu, avance uma casa e abra as possibilidades para novas respostas, utilize suas novas habilidades. A vida pede expansão dentro e fora da cozinha.

A massa precisa crescer

Ao ver uma prateleira repleta de temperos, penso em quantas possibilidades de pratos posso fazer. Depende mais de mim despertar o espírito de aventura e experimentar.

Não quero correr o risco de parecer repetitivo, mas penso que na vida acontece o mesmo. Quantas possibilidades temos dentro de nós? Quantas habilidades que ainda não temos consciência? 

Todos os dias podemos nos reposicionar e dar novas respostas ao que a vida nos traz. O objetivo é romper com as respostas automáticas que damos, a vida pede criatividade em cada ato. É mais possível do que imaginamos, se começarmos com pequenos testes.

Nenhum grande chef de cozinha se construiu de um dia para o outro. Nós também devemos ter paciência e aguardar (em ação) a massa crescer, todas as coisas levam um tempo natural para acontecer. Até lá eu proponho testar novas receitas, experimentar novos sabores e, em todos os casos, aprender.

Leia também: Ensinamentos filosóficos que trouxe para a vida em 10 anos de estudos em Nova Acrópole

 

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Pedro Motta é aluno e professor voluntário na Nova Acrópole há mais de 10 anos e compartilha o que reflete e aprende no blog Escriba do Dia.

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