Por que fazemos muitas coisas e não nos sentimos felizes?

O ritmo da vida moderna tem nos convertido em verdadeiras máquinas de fazer coisas. Pergunte a qualquer um de seus amigos sobre a sua rotina e se sentirá cansado antes das 11h da manhã. Todos temos muitas atividades e projetos diversos em andamentos.

À rotina do trabalho, se somam os afazeres domésticos e outras atividades de nosso interesse. Alguns dedicam tempo a atividade física, outros estão iniciando um novo negócio; cursos de idiomas, culinária, aulas de dança e de aprimoramento pessoal completam semanas recheadas que se seguem.

O dia começa cedo e termina bem depois do horário comercial, com alguma das atividades extra curriculares, mas ainda assim, parece que o sentimento de satisfação ou “dever cumprido” pelo dia vivido não vem.

Tenho a impressão que o momento de glória está se restringindo ao fato de ter cumprindo com todo o checklist do dia, mas não exatamente pelas atividades realizadas ou como foram realizadas.
Será que apenas marcar como “feito” é suficiente? Tenho refletido que o acúmulo de dias assim — apenas dando check — mais nos cansa do que entusiasma para o dia seguinte e, para mim, esse é um sinal que se está fazendo as coisas da forma errada.
Eu olho para o meu gato e o vejo, dia após dia, com o mesmo pulsar de vida. Corre de um lado para o outro da casa, passa correndo pela sala, mexe o tapete, pula para fora pela janela, sobe nas árvores. Também dorme bastante e quando acorda começa novamente, corre pela sala, vai para o jardim, sobe no telhado… Hermes é claramente um gato realizado.
Os animais parecem tão bem consigo mesmos que por vezes desejamos ter a vida de um gato ou cachorro. Por mais inocente que a brincadeira seja, será que isso está certo? O que falta para que nós, Seres humanos, possamos viver com a mesma vivacidade dos animais? Na condição de Seres humanos, não custa lembrar.

Sentido de Vida

Diferente dos animais, as ações humanas precisam ter sentido e ser sentidas. Logo, para trazer realização, o fazer de coisas, as atividades, os nossos projetos, sejam eles quais forem, devem estar alinhados com um sentido de vida humano.
Para tornar a questão mais prática, poderíamos pensar a respeito: em relação ao dia anterior, quantas vezes estive consciente dos meus atos? Quais foram as minhas motivações mais íntimas? Apenas reagi aos acontecimentos?
Os questionamentos são pertinentes por nos fazer refletir sobre a forma como estamos vivendo, se vivemos de fato ou se estamos em modo automático. Estar consciente, atento à vida e ao presente dá novos significados a tudo que fazemos. Exige mais de nós, mas também entrega mais realização.
O agir humano deve-se diferenciar do agir dos animais, e por mais óbvio que a afirmação pareça, é bastante comum escutarmos falar que passamos por ‘cavalos’, ‘cachorros’ e ‘bestas feras’ ao longo do dia. Será que nossas ações estão refletindo o potencial humano latente em nós?
Para deixar claro, as minhas motivações e atos se revelam em ações justas, bondosas, generosas e geram beleza?

Se a resposta for negativa significa que apenas movimentamos nosso corpo físico e, portanto, apenas gastamos energia
. Agindo mecanicamente até podemos fazer muitas coisas e obter conquistas notáveis, mas não necessariamente iremos nos sentir realizados e felizes. Sinal de que não construímos dentro.

O ajuste passa por colocar mais consciência em nossas ações, buscando entender as nossas motivações internas em tudo o que fazemos.

A partir de uma análise honesta de nós mesmos podemos caminhando para mais realização enquanto seres pensantes e auto conscientes dos processos da vida e evolução.

Os mitos podem ajudar a trazer sentido para a vida

Na Índia, terra de ensinamentos milenares e que encantam com seu rico simbolismo, nos conta a história do príncipe Arjuna, do épico Bhagavad Gita.

No Bhagavad Gita, Arjuna deve lutar contra os seus parentes, tios e primos, para reconquistar a cidade sagrada de Hastinapura — guarde esse nome, fará sentido em breve.

No primeiro momento podemos pensar que se trata de mais uma narrativa sobre disputas familiares por terra, não é isso, é muito superior.

O Bhagavada Gita ensina sobre a guerra interior que todos travamos. As batalhas contra os vícios, defeitos, maus hábitos, os quais são representados pelos familiares de Arjuna.

Arjuna se identifica com seus defeitos pela aproximação que tem deles, e isso torna a batalha desafiadora, afinal são seus parentes — veja como faz toda diferença compreender as chaves de um símbolo.
A tomada de consciência de Arjuna para a importância dessa guerra, interior, nos revela o verdadeiro significado da vida: a conquista de nós mesmos.

Grandes mestres de sabedoria buscaram transmitir este ideal de vida humano ao longo dos tempos, em diferentes momentos e formas, vejamos:
Vencer a si próprio é a maior das vitórias — Platão
É melhor conquistar a si mesmo do que vencer mil batalhas — Ensinamento Budista
Melhor é o homem paciente do que o guerreiro, mas vale controlar o seu espírito do que conquistar uma cidade — provérbio bíblico 16:32
Conquistar a si próprio, significa atuar naquilo que temos possibilidade de mudança verdadeira, é atuar nas causas dos problemas, é agir por Bondade, Justiça, Altruísmo, na busca pela Verdade.

No caso de Arjuna, a sua meta era conquistar Hastinapura, a cidade dos Elefantes, um símbolo de sabedoria. Portanto, a batalha do Bhagavad Gita é uma analogia à nossa condição de seres humanos e das batalhas interiores que travamos.

Como se realizar nas ações do cotidiano?

Eu acredito que o primeiro e fundamental passo seja entender a diferença entre ter projetos e ter um sentido de vida humano — que é algo mais amplo e que abarca os projetos.

Temos projetos diversos de acordo com nossas necessidades e anseios e eles são importantes, mas sem um sentido maior que os humanize, unifique a nossa caminhada e dignifique os passos, serão apenas projetos desconectados de nosso destino humano.

Os projetos são circunstanciais, levam mais ou menos tempo para serem concluídos, mas chegam ao fim. Projetos finitos não podem realizar um ser humano de potencialidades infinitas.

Quando falo na realização cotidiana, falo do maior dos projetos, desse que, segundo algumas tradições, começou antes mesmo do nosso nascimento e não irá chegar ao fim com a nossa morte física.

Ter sentido de vida humano dá mais Vida aos projetos, e também os colocam no seu devido lugar. Afinal, do que vale tantas titulações acadêmicas ou milhões acumulados na conta quando a alma é pequena — e não realizada?

Portanto, precisamos romper com o automatismo que nos faz cumprir atividades como quem aperta parafusos e colocar consciência e perspectiva humana em cada ato da nossa vida. Estar constantemente consciente é um desafio, mas generosamente, a vida nos dá a todo instante novas oportunidades par tentar.

O que estou aprendendo aqui? Quais são as minhas motivações neste momento? São perguntas que ajudam a romper com a mecanicidade e nos conectam ao verdadeiro sentido das experiências que é nos fazer crescer.

É importante sonhar grande

Os sonhos se achataram e não tocam mais as estrelas, no máximo nos elevam à 11.000 metros do chão para nos levar de um lado ao outro do planeta. Desaprendemos a sonhar com a gente.

Sonhar em ser uma pessoa melhor, em vencer os medos, superar as limitações e, com isso, tornar nossos espaços e relações melhores.
Tirinha de Calvin e Harold contemplando o céu estrelado
Conexão entre ter os pés no chão e cabeça nas estrelas - sonhar grande
Bem diferente se dá com os projetos, que são indiferentes para a sua realização. Por isso preferimos fazer coisas, e trocamos tantas vezes de uma coisa para outra, sem qualquer remorso, porque no fundo na maior parte das vezes tanto faz.

Os sonhos geram compromisso e somos cobrados por nossa consciência quando não os realizamos. Por nossos sonhos caminhamos firmes, entre um projeto e outro, sem esquecer o motor que nos faz caminhar.

Os sonhos tem relação com nosso íntimo, com nossa realização por expressar quem somos em essência; os projetos tem relação com o externo à nós (o que conquistamos, compramos, o cargo que exercemos), os outros e a sociedade.
Para mim, a meta é clara: começar o dia sabendo aonde quero chegar — a ser um pouco melhor hoje do que fui ontem — e terminar o dia satisfeito. Em um mundo de excessos, satisfeito pode soar pouco, mas entenda-se por feliz ou senso de dever cumprido.

A felicidade é a nossa busca mais natural, e fazemos isso participando da vida, criando e crescendo por meio das coisas/atividades que fazemos, não nos convertendo em máquinas de fazer, que convenhamos, fariam bem melhor do que nós.
Deixo um convite à reflexão das nossas motivações, dos nossos interesses, em saber onde estamos e para onde caminhamos. A realização estar ao alcance do próximo ato.

 

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Pedro Motta é aluno e professor voluntário na Nova Acrópole há mais de 10 anos e compartilha o que reflete e aprende no blog Escriba do Dia.

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